
Hoje reencontrei um vídeo que adoro, em que Bek monta a sua própria bicicleta. É um vídeo conceitual, feito para inspirar, não para ser um tutorial faça-você-mesmo. Jon, quem fez o vídeo, conta que gosta muito de ver vídeos de bicicleta em blogs e afins, mas notava que praticamente todos os vídeos eram feitos por homens. Foi então que ele teve a ideia de criar este com a Bek montando a sua primeira bicicleta.
She Builds from Jon Chew on Vimeo.
O que o vídeo tem lindo, os comentários tem de machista. Lá criticam que a menina não engraxou algumas partes da magrela (claro, como se o vídeo não tivesse edição), que o selim tá mal colocado e um querido até sugere que ‘alguém precisa explicar para esta menina como se usar o tripé direitinho’.
The Bike Build from Jon Chew on Vimeo.
Vivo vendo este tipo de coisas e me irritando. Vejo tanto que tem hora que acho que tô procurando desenho em nuvens. Mas aí, neste caso, o Jon também tem um vídeo construindo a sua magrela. Ele fez o quadro e montou a bicicleta. Os comentários sobre este vídeo? Que o bróder fez um excelente trabalho. O único questionamento é sobre a marca do pedal que ele escolheu.
Então assim, na próxima vez que você for comentar algo com alguma mulher, pare por meio segundo e pense: ‘Serei um completo babaca?’. Se a resposta for ‘sim’, não fale nada. Se for ‘não’, vá em frente.
Mas né, não existe machismo no ciclismo. Agora imagina se tivesse.
Bom, para dar um ânimo, a Bek conta que montar a sua primeira bicicleta foi mais fácil que parecia, mas que ainda bem que o Jon ajudou ela, senão seria bem diferente. Mas ela diz também que se você não tem ‘um Jon’ pra te ajudar, é só caçar informações por aí e ir em frente. Boa, Bek!
Na real o comentário do Jon foi muito mais machista do que o comentário do tripé em específico, pois o comentário do tripé passa no teste trocando “girl” por “boy”, “guy”, “kid”… Veja:
“Someone needs to talk to this [boy, guy, kid…] about how to use his stand.” – Existe algum “-ismo” aqui? me parece que não.
Mas vamos ao comentário do Jon: “don’t you think its great to see women giving this stuff a go?”. Agora vamos testar o que acontece se eu mudar para “man”, “boy”, “guy”, “kid”…
“don’t you think its great to see [man, boy, guy, kid…] giving this stuff a go?”- Que tal agora?
Claro, sem contar o próprio título do vídeo “She Builds”….
Olá, Liê.
Obrigada por contribuir na discussão.
Primeiro, quero deixar claro que a minha luta por demonstrar o machismo no mundo das bikes não é um birra. Eu sei que levo o Pedal Glamour num tom de humor e brincadeira, mas pra mim este é um assunto sério e que merece ser discutido até as últimas.
Um dos exemplos disto, é que de acordo com a ONU “uma em cada cinco mulheres sofrerá pelo menos um estupro, ou tentativa de estupro na vida” (fonte http://wp.me/p4Z9Ku-81) ou que na América Latina, a cidade que mais tem mulheres pedalando é Montevideo, com 40% (veja, a melhor cidade ainda tem mais homens pedalando) e a pior é Medellín, com inacreditáveis 5% (fonte: http://bit.ly/1Gq9dqX.
Sendo assim, há uma necessidade real de se debater os porquês das mulheres estarem menos nas ruas do que os homens. É claro que o exemplo que coloquei ali é pouco científico e é só um recorte. É o meu ponto de vista, mas certamente não é um ponto de vista isolado.
A questão que busquei exaltar ali é que quando uma mulher está fazendo algo que é dito ‘masculino’, como a mecânica de bicicletas, a capacidade dela de fazê-lo é colocada em xeque e quando o mesmo é com um homem, não há questionamento da capacidade dele.
Sobre o nome ser ‘She builds’ eu acredito que seja uma escolha para falar do gênero mesmo. Para empoderar e provar para as mulheres que elas são capazes de montar a sua própria bicicleta. Ainda que isto soe inicialmente absurdo, pra mim fica claro que a sensação de não ser boa o suficiente para se pedalar se reflete em números de mulheres nas ruas (como na pesquisa que citei acima).
Infelizmente, demandamos de vídeos como este para tirar um pouco o conceito que vivemos todos os dias que são somos capazes ou dignas de fazer algo que queremos apenas por ser mulheres.
Sobre o comentário poder ter os gêneros trocados e ficar com o mesmo peso, creio que você esbarra na falsa simetria (fonte http://wp.me/p3Bcwg-3R)
“Simetria é semelhança entre duas metades. Falsa simetria é quando uma pessoa compara duas coisas muito diferentes, envolvidas numa relação de poder completamente desequilibrada, e as julga semelhantes. Vou dar alguns exemplos: uma mulher está sendo estuprada e num golpe de sorte consegue matar o agressor. Os dois, vítima e agressor, não estavam em equilíbrio de poder. Mesmo assim, o adepto da falsa simetria julgará rapidamente: tanto a mulher quanto o estuprador estão errados, porque estuprar e matar são coisas erradas e os dois erraram igualmente. Outro exemplo: uma criança que é vítima de bullying coletivo e de repente acerta uma pedrada na cabeça de um agressor. O adepto da falsa simetria não quer saber quem começou, o que fez e nem o contexto: a falsa simetria é ignorante, nesse sentido, porque nunca quer saber nada. Só julga e julga mal.”
Acho importante reparar que no vídeo da Bek há muitos questionamentos sobre a sua capacidade e no do Jon, nenhum. Isto reforça a ideia que as mulheres só não tem ‘tudo’ porque não querem (ignorando a opressão sofrida por tantos anos). Por este ponto de vista distorcido, quando mulheres lutam para conseguir algo diferente do que é ‘para mulher’, estão buscando por privilégios e não direitos. Entretanto, quando as mulheres vão ‘atrás de algo’ elas são rapidamente alvo de críticas (como foi o caso ali). Isto é uma maneira bastante eficaz de mantê-las longe das coisas ‘para homens’.
E só para acrescentar: ainda que existam inúmeros tipos de feminismo, a ideia de que buscamos por privilégios é uma distorção, quando a real busca é por direitos iguais e coisas que deveriam ser banais, como não ser morta apenas por ser mulher, não ter que trocar de roupa para sair de casa, não ter que ter uma terceira jornada limpando a casa e cuidando dos filhos sozinhas. Esta cultura mata e não mata pouco. Esta discussão é necessária e vital.
Vi que você viu os vídeos com atenção e leu a entrevista inteira, logo, parou para pensar e questionar o meu posicionamento. Isto me deixa feliz, porque vejo que há uma real vontade de discussão. Acredito no teu discernimento e espero que os meus argumento sirvam para você olhar para o assunto com mais carinho e um novo ponto de vista.
Estamos aqui para crescer e ter um mundo mais justo e digno. Ao contrário do que possa parecer, isto criará uma sociedade melhor para todos.
Um abraço,
Naiara.
Desconsiderando as estatísticas sobre violência contra a mulher, coisa que não questiono, o que você está colocando é que o vídeo da Bek deve ser visto não como um vídeo sobre como montar uma bicicleta, mas sim como um vídeo de uma mulher montando uma bicicleta? Uma mulher fazendo uma tarefa dita “masculina”, como colocaste?
Isso me soa muito estranho… Em outra oportunidade te conto a historia da minha família de hippies morando todos juntos onde 2 primos e uma prima conviviam direto e como cada um conduziu sua vida.
Só vou me meter pra contribuir com o exemplo da falsa simetria. Acho que se usar exemplos de ações “iguais” que, pelo contexto social se tomam pesos diferentes, fica mais fácil de entender (pelo menos pra mim). Ex.: Você chamar uma pessoa branca ou uma pessoa negra de “macaco”. O xingamento foi o mesmo para as duas. Mas, para a pessoa negra, essa ofensa carrega todo um peso histórico e pessoal (que pode ter sido toda sua infância carregada de xingamentos e opressões diversas, por exemplo). Isso não quer dizer que para a pessoa branca ser chamado pelo nome de um animal não seja ofensivo, pode ser que seja. Mas não carrega o contexto racista consigo.
Considero que os comentários que questionam a capacidade das mulheres de fazer determinadas coisas, um exemplo de falsa simetria também, pq durante um longo período da história o trabalho das mulheres foi considerado como “não qualificado”. Inclusive o fato de uma mulher conseguir realizar um trabalho x era motivo pra esse trabalho ser considerado “não qualificado” (coincidentemente tava lendo um texto do David Harvey pra aula que falava isso). Um cara pode se ofender de ser chamado de incapaz, mas isso não carrega o peso histórico do machismo. Pode carregar outros pesos, claro… idade, etnia, condição física e psicológica… mas, enfim. Já falei demais. 😛
Muito bem colocado, Maika 🙂 Obrigada por compartilhar! :)))))))))
Nossa, muito bem colocado! Noto que, quando é uma mulher na bike, os caras, além dos olhares totalmente inconvenientes, já que nos sentimos totalmente desconfortáveis quando estamos o tempo todo sendo observadas, medidas e avaliadas, parecem não levar a sério. Nenhuma mulher é ~biker~ que nem eles. Parecem que só ficam esperando o primeiro erro que cometeremos. Além disso, qual é a desses grupos enormes de ciclistas (geralmente noturnos, que pedalam depois do expediente) que não tem NENHUMA mulher?! Deixaram a esposa em casa dando comida pros filhos pra ir ~esvaziar a cabeça~? Nem conheço a história deles, mas já imagino.
Enfim, adoro o blogue, e todas essas reflexões mais que necessárias.
Oba, Vitória, obrigada por compartilhar o teu ponto de vista 😉 Me dá um gás e tanto ouvir isto!
Sabe que nos pedais noturnos ainda acho que tem mais mulheres do que como transporte. Como transporte acho beeeem pior. Pra mim, o que mais afasta as mulheres do uso como transporte é o uso de roupas ‘normais’, que ‘chamam mais atenção’ e acabam tornando nosso trajeto um pé no saco, tamanho o desrespeito conosco.
São inúmeros os fatores de tiram as mulheres de suas bikes (e das ruas de modo geral), mas certamente ter jornada extra, assédio e questionamento masculino da nossa ‘capacidade / aptidão’ são pontos fundamentais e não podem ser ignorados.
Uma coisa é certa: quanto mais mulheres tivermos, maiores serão nossas conquistas. Por um mundo em que todas que quiserem, possam pedalar.
Obrigada por escrever.
Beijos, beijos,
Naiara.